No Escuro da Noite



O abajur de girassol ainda estava aceso. Suas pétalas amarelas irradiavam uma luz branda quando Sarah despertou. A corda da caixinha de música havia acabado e o quarto estava mergulhado no silêncio. Ela não entendeu muito bem o porque de ter acordado, até que uma pontada na barriga trouxe sentido a tudo. 

Com medo de mais um incidente de xixi na cama, Sarah levantou num pulo e tomou coragem para enfrentar o corredor escuro até o banheiro. 

Ela respirou aliviada quando percebeu que parte do caminho a ser percorrido era levemente iluminado. A porta entreaberta do quarto de Thomy deixava escapar o brilho de seu próprio abajur. Mais preocupada com os perigosos monstros que poderiam estar escondidos nas sombras, a pequena se apressou para o banheiro. 

Orgulhosa de si mesma, ela seguiu os passos que havia treinado com sua mãe desde que parou de usar fraldas, e lembrou de quando seu pai disse que um dia ela ajudaria Thomy a se livrar das suas, como uma boa irmã mais velha.

Quando estava voltando para o quarto Sarah reparou novamente na porta de Thomy, que agora estava completamente aberta. A luz ainda estava acesa e uma sombra se projetava na parede onde estrelinhas rodopiavam lentamente. 

Seu coração batia tão forte que até parecia fazer seu corpo tremer. Ela pensou em chamar seus pais, mas o grito ficou preso na garganta. De onde ela estava conseguia ver apenas a moldura da porta do quarto deles envolta na penumbra. 

Sarah olhou de um lado para o outro e, por algum motivo, decidiu que seria melhor checar Thomy primeiro. Suas pernas tremiam, mas ela as obrigou a cumprirem com sua função. 

Tentando se esconder no batente da porta, ela inclinou levemente a cabeça para dentro do quarto. Ainda assustada, sua mente demorou para processar a figura diante de seus olhos. 

- Mamãe! - exclamou abrindo os braços, quase correndo em direção a ela. 

Ao se esticar teve a sensação de abraçar fumaça. Piscou algumas vezes e encontrou a figura próxima ao berço do bebê. Sarah chamou mais uma vez, mas não foi ouvida. 

Lentamente a trava do berço se soltou e a grade móvel começou a abaixar. Ela assistiu enquanto Thomy era pego no colo, sem emitir som algum. Ele dormia profundamente seu sono de bebê, o peito subia e descia de forma ritmada.

Cautelosamente ela se aproximou, como sempre fazia quando a mãe ia amamentar seu irmão. Mas foi pega de surpresa quando os dois não foram para a poltrona, no canto do quarto. 

Ela continuou seguindo a mãe para fora do cômodo. "Será que ele teve um pesadelo e vai dormir com eles hoje?" pensou. Porém, ao invés de continuarem para o final do corredor, sua mãe começou a descer as escadas. 

Sarah não se lembrava de ter visto a mãe tirando o portão de proteção, mas estava curiosa demais para pensar nisso. Sua presença ainda não havia sido notada, e ela continuou atrás deles como se fosse uma sombra. 

Enquanto caminhavam pela casa escura em direção a cozinha, Sarah pensava e tentava entender o que estava acontecendo. Ela já havia acordado outras noites porque seu irmãozinho estava com fome, mas nada daquilo tinha acontecido, sempre que sua mãe precisava de alguma coisa, seu pai estava sempre de prontidão. 

E então, mais uma mudança de direção. Ainda com o bebê no colo, sua mãe seguiu para a porta dos fundos. Sem acreditar no que estava vendo, Sarah correu atrás dela e tentou mais uma vez chamar a atenção da mãe, mas sem sucesso. 

No breu da noite, apenas algumas estrelas despontavam no céu, em meio a nuvens densas que cobriam completamente a lua. O vento gelado fez ela pensar duas vezes antes de sair da casa, mas estava tudo tão estranho. Thomy não havia feito barulho algum e não acordou durante todo o percurso, e ela sabia por experiência própria que o sono do irmão era muito leve, ela mesma já havia acordado inúmeras vezes com ele chorando no meio da noite. 

Sarah tomou coragem e apertou o passo. Nem mesmo o som dos seus pés na grama foi suficiente para fazer sua mãe notá-la. O sentimento de que alguma coisa não estava certa tomou conta dela subitamente. Sua angustia foi confirmada quando viu aquela figura se aproximar da piscina. 

"O que ela está fazendo?" pensou.

- Mamãe? - ela chamou mais uma vez, se aproximando da borda com cuidado. Tinha aprendido muitas coisas nos seus seis anos de vida, mas nadar não fora uma delas. Seu pai dizia que iria ensiná-la nas férias de verão. 

Lentamente uma brecha na grade de proteção se abriu. Sarah não tinha certeza de ter visto a mãe usar as mãos para abrir o cercadinho. 

Nada daquilo fazia sentido.

O medo fez seus olhos marejarem, e ela chamou uma última vez: 

- Mamãe... o que... - ela se esticou de novo, tentando alcançar a barra da mãe.

Achando que seria outra tentativa em vão, ela assustou quando a figura se virou para ela.

Pânico puro explodiu por seu corpo. Desde que havia entrado no quarto de Thomy ela não tinha reparado no rosto daquilo que segurava seu irmão. Havia reparado apenas na barra da camisola gasta. 

Agora estava tendo uma visão horrenda. Órbitas vazias a encaravam, como se pudessem ver através dela, e dentes afiados se projetavam para fora de uma boca toda carcomida. O nariz era inexistente, mas ela podia jurar que aquela criatura a estava farejando, e chaminhava lentamente em sua direção. 

Sarah gritou o mais alto que conseguiu antes de tudo ficar escuro. 

Quando abriu os olhos de novo estava de volta em seu quarto. Raios de sol penetravam pela persiana. 

Acreditando que tudo não passava de um pesadelo terrível, Sarah se perguntou quando ia parar de ouvir gritos, até perceber que eles vinham do lado de fora da sua janela. 

Ela correu para o cantinho almofadado que ficava na base da janela, escancarou as cortinas e abriu só uma frestinha da persiana.

Sentiu um arrepio percorrer sua espinha e gelar seu sangue. 

No quintal dos fundos, se debatendo e gritando nos braços do seu pai, estava a sua mãe, que chorava incontrolável enquanto os paramédicos retiravam da piscina o pequeno corpo de Thomy. 

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